Após uma visão quase onírica da Câmara Porfíra, aposento em Constantinopla no qual dormiam imperatrizes prestes a dar à luz suas estirpes, suntuoso, revestido de pedras vulcânicas vermelhas, ornado de sedas e joias finas, Cecília Bichucher inspirou-se para pintar estas aquarelas. Mulheres sobre a cama, deitadas, debruçadas, recolhidas, dissolvidas, quase a dar à luz. Mulheres transparentes que sonham, esperam, choram, sofrem ou gozam. Umas são prisioneiras das grades da cama, outras parecem ter asas e voar. Todas estão em momentos íntimos. Umas parecem machucadas, violentadas, escorre um fio de sangue, outras foram deixadas sozinhas, abandonadas. Parecem fruir da solidão na qual encontram seus segredos ou, mesmo, sua libertação e felicidade. Penetradas pela água e por vermelhos ígneos, sangrentos, pela alvura de lençóis e paredes, por noites tênues dissolvidas em cinza, essas mulheres quase abstratas se deixam penetrar também por nossos olhos, que as trespassam sem encontrar matéria. Umas se entregam.
Fazem parte de toda uma tradição pictórica de mulheres deitadas no leito – majas desnudas ou vestidas, ninfas, vênus adormecidas, odaliscas à brisa de leques… Corpos quase sempre eróticos, prontos para o amor, para a contemplação sensual, também corpos fantasmais, idealizados, puros ou assustadores, feitos de ossos, carne, pele. Mas as mulheres de Cecília Bichucher parecem mais próximas da alma do que do corpo. Mais perto do murmúrio que do grito. São tênues sugestões. Distantes da maternalidade, da volúpia, da inocência, do mundano, até mesmo da sua divindade, são uma essência feminina livre, “longe de tudo, dos acertos, dos erros, dos julgamentos, da cozinha, dos filhos, da filosofia”, como diz Cecília, para “dar à luz a mim mesma… em silêncio.”